Memorial da Resistência de São Paulo: lembranças de tempos sombrios
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(fotos: Daniel Ramos) |
Pouco antes da virada do ano, visitei um lugar bastante interessante, que é um marco da nossa história recente: o Memorial da Resistência de São Paulo, localizado no bairro da Luz, na região central - bem próximo de outros pontos turísticos da cidade, como a Sala São Paulo, a Estação da Luz e a Pinacoteca do Estado.
O Memorial da Resistência, aliás, faz parte da Estação Pinacoteca - uma extensão da Pinacoteca do
Estado para receber parte do programa de exposições temporárias da Pinacoteca.
O complexo do Memorial da Resistência está localizado em um prédio histórico, projetado pelo arquiteto Ramos de Azevedo e inaugurado em 1914 para receber a administração e o depósito da antiga Estrada de Ferro Sorocabana.
Em 1939, foi reformado para abrigar a sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo (DEOPS/SP), que funcionou no local de 1940 a 1983, quando foi extinto.
Entre 1983 e 1997, o edifício foi sede da Delegacia de Defesa do Consumidor (Decon). Em 1999, já sob a administração da Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, foi tombado pelo patrimônio histórico, dada a sua importância como obra arquitetônica.
No ano de 2002, foi implantado o Memorial, com o nome de Memorial da Liberdade, sob a gestão do Arquivo Público do Estado.
Posteriormente, com a ocupação do prédio pela Estação Pinacoteca, o memorial foi integrado a essa iniciativa, com a proposta de ampliar a ação de preservação do local e de seu potencial educativo e cultural.
O nome Memorial da Resistência passou a ser usado a partir de 2008.
O DEOPS - ou DOPS, como também era conhecido - foi instituído durante a Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945). No entanto, ficou conhecido por sua atuação como mecanismo de repressão durante a Ditadura Militar (1964-1985), através de métodos violentos e extremamente cruéis - que incluíam, especialmente, a tortura - para a obtenção de informações sobre opositores do regime.
OS ESPAÇOS DO MEMORIAL
Logo na entrada, há uma maquete mostrando como era a estrutura e o funcionamento do complexo do DOPS.
No espaço a seguir, uma linha do tempo mostra as revoltas e a elaboração dos processos de controle e de repressão governamentais desde o início do período republicano no Brasil (a partir de 1889), mencionando com riqueza de detalhes fatos e acontecimentos de todas as épocas e governos do Brasil, e até do exterior.
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Sala da linha do tempo do Memorial: abordando a repressão em vários períodos da nossa história |
Mas a parte do Memorial que mais impressiona é o complexo do conjunto prisional - o principal espaço do museu.
Do complexo original, sobraram apenas quatro celas e o corredor para banho de sol dos presos.
Cada uma das celas tinha capacidade para abrigar cerca de 15 presos, em um espaço diminuto, apenas com um banheiro.
Em algumas delas, é possível ver ainda inscrições feitas pelos prisioneiros na época.
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Inscrições deixadas pelos presos em uma das celas |
Na primeira cela, é retratado todo o processo de implantação do Memorial da Resistência; na segunda - a mais impressionante deste complexo - há uma homenagem aos mortos e desaparecidos políticos da época do regime militar, com máscaras adornando as paredes.
Cada uma delas tem o nome de um preso/morto/desaparecido.
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Máscaras na segunda cela: cada uma delas tem o nome de um desaparecido político |
Na terceira cela, depoimentos de ex-presos políticos reconstituem a rotina dentro da prisão; e na última, um retrato da solidariedade entre os prisioneiros, onde ainda, há uma alusão a uma cerimônia religiosa realizada por frades dominicanos presos, no ano de 1969 - esta cena, aliás, é reconstituída no filme Batismo de Sangue (2006), estrelado por Caio Blat e Cássio Gabus Mendes, que conta a história do frade Tito de Alencar Lima (Frei Tito), preso pelo regime durante um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna, no interior de São Paulo, em 1968.
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Uma alusão à cerimônia religiosa realizada dentro da prisão por dominicanos, em 1969 |
Por fim, há um último espaço, dedicado à pesquisa e ao aprofundamento do tema, através de consulta a banco de dados.
Neste espaço, há um móvel original da época de funcionamento do DOPS - um arquivo que contém, em suas gavetas, reproduções de documentos do órgão da época.
Além disso, há também algumas fotografias que mostram como era o edifício durante o período em que o órgão funcionou.
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Arquivo da época do funcionamento do DOPS: um móvel original da época |
Além de todo o acervo permanente do Memorial, há também uma exposição no terceiro andar do prédio, que traz ao público cartas escritas por ex-presos políticos a parentes e amigos durante a época do confinamento, relatando o angustiante dia-a-dia na prisão.
Esta exposição fica em cartaz até o dia 20 de março, e é gratuita.
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Algumas das cartas escritas pelos presos na época do regime militar: parte de uma exposição no terceiro andar do prédio do Memorial |
Antes de tudo, o Memorial da Resistência é um lugar de reflexão. Um lugar que exibe uma ferida aberta na memória do país: a privação das liberdades de pensamento e de expressão, a censura à imprensa e, principalmente, os abusos e atrocidades cometidos nos porões pelo regime, que teve seu auge entre o final da década de 1960 (quando foi implementado o Ato Institucional nº 5, o mais duro e truculento do governo militar) e meados da década de 1970.
Uma lembrança de tempos sombrios, mas que nos faz refletir sobre a vida naqueles anos de tensão constante e na conquista sacrificada da liberdade e da redemocratização, anos depois.
De qualquer forma, lembrar do passado é sempre importante - especialmente, lembrar dos erros do passado para não voltar a cometê-los no futuro.
É um lugar que vale a visita - mas antes de tudo, você tem que ir preparado para vivenciar emoções fortes.
Memorial da Resistência de São Paulo - Estação Pinacoteca
Endereço: Largo General Osório, 66 - Luz
(próximo à estação Luz do metrô; acesso pelas linhas 1 - azul, e 4 - amarela)
Horário de Funcionamento: das 10:00hs às 17:30hs, de terça a domingo
Entrada: franca
Mais informações podem ser conferidas no site: memorialdaresistenciasp.org.br
Excelente documentário. Parabéns
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