Opinião em Foco: Impeachment - uma lição para o eleitor brasileiro

A agora ex-presidente Dilma Rousseff, em foto de 2015: mandatária
sofreu o
impeachment na quarta passada (foto: Jorge William/Jornal O Globo)

A tarde da quarta-feira passada (31/08) foi uma tarde histórica para o Brasil. Pela segunda vez na história do país, um presidente da república eleito pelo voto direto da população sofreu o impeachment - a perda do mandato mediante julgamento parlamentar por acusação de crimes de responsabilidade cometidos no exercício do poder.
Em 1992, Fernando Collor de Mello teve seu mandato cassado por indícios da instalação, por ele próprio, de um esquema de corrupção dentro da máquina governamental, mediado por seu tesoureiro de campanha, o empresário Paulo César Farias (por esta razão, este esquema ficou conhecido como "esquema PC"); e agora, Dilma Vana Rousseff, no cumprimento de seu segundo mandato, foi destituída por conta da realização de operações de crédito por meio de bancos controlados pela União (as chamadas "pedaladas fiscais") e pela emissão de decretos de suplementação orçamentária sem a autorização prévia do Congresso Nacional - ambas as operações são consideradas ilegais dentro da lei 1079/50.
Nos dois casos, há alguns fatos a se considerar: Collor foi o primeiro presidente eleito democraticamente depois do fim da ditadura militar; Dilma foi a primeira mulher no Brasil a chegar à Presidência da República.


Traçado o paralelo entre os dois casos, vamos ao enfoque nos acontecimentos atuais. Nove meses se passaram, desde o aceite do pedido de impeachment de Dilma - de autoria dos juristas Hélio Bicudo (ironicamente, um dos fundadores do PT, partido da ex-presidente), Miguel Reale Jr e Janaína Paschoal - até a conclusão do julgamento no Senado Federal.
Por 61 votos a 20, os senadores aprovaram o impedimento da ex-presidente, por entender que as operações realizadas por ela consistiam em crime de responsabilidade.
Apesar de todo o processo ter se desenrolado dentro dos trâmites legais (inclusive, com intervenção e supervisão do Supremo Tribunal Federal, que definiu os ritos do processo), os defensores e correligionários de Dilma Rousseff alegam que o impeachment foi um "golpe contra a democracia", por "retirar do poder uma presidente legitimamente eleita por mais de 54 milhões de votos".

Pois bem. Não sou lá um dos mais gabaritados para falar sobre política... mas acredito que a questão aqui vai muito além do simples fato de um mandatário ter sido ou não eleito com a maioria dos votos.
A questão aqui se trata, na realidade, do que um mandatário faz com os votos que recebeu das urnas. E, apesar dos dois casos terem sido bem distintos um do outro, dá pra afirmar que tanto Fernando Collor quanto Dilma Rousseff fizeram a mesma coisa: ambos simplesmente jogaram os votos de seus eleitores na lata do lixo.
Isto sem mencionar que os dois ascenderam ao poder iludindo seus eleitores - Collor se auto-denominou o "caçador de marajás", e prometeu acabar com a corrupção e promover a justiça social; Dilma, entre outras coisas, disse que a inflação estava sob controle e que não iria aumentar impostos ou mexer nos direitos do trabalhador.
Collor, além de confiscar dinheiro da população, instalou nos bastidores do poder um esquema de corrupção e favorecimento pessoal, revelado pouco tempo depois à imprensa por seu irmão, Pedro Collor; no início do segundo mandato de Dilma, a inflação chegou na casa dos 10% (a maior em pouco mais de 20 anos), cogitou-se o retorno da CPMF (o famigerado "imposto do cheque", que abocanhava uma porcentagem de movimentações bancárias) e foram promovidas alterações em direitos como o seguro-desemprego, por exemplo - nesse meio tempo, a Polícia Federal, através da Operação Lava Jato, trouxe à tona o maior esquema de corrupção da história, ligando nomes do governo, como a própria presidente e seus correligionários do PT, além de membros de outros partidos, empresários e outros, a um esquema bilionário de desvios de dinheiro da Petrobrás.
Todos estes fatos minaram a capacidade de governar de ambos os presidentes, e culminaram em seus processos de impeachment.

Fernando Collor na ocasião de sua posse, em 1990: dois anos mais tarde,
ele sofreria o
impeachment (foto: Reprodução)

Em ambos os casos, quem assumiu a presidência foram seus respectivos vices - eleitos com a mesma quantidade de votos dos candidatos oficiais, diga-se de passagem (conforme descreve o Artigo 77 da Constituição Federal): Itamar Franco assumiu o lugar de Collor; e Michel Temer entrou na vaga de Dilma.
Outro artigo da nossa Constituição - o Artigo 79 - descreve, de maneira clara:

"Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente."

Especialmente no caso de Dilma Rousseff, alie-se a isso os itens descritos nos parágrafos 2 e 9 do Artigo 10 da Lei 1079/50, que trata do processo de impeachment e dos crimes de responsabilidade do presidente da república no exercício do poder - segundo a acusação, ambos os itens foram violados por Dilma, e motivaram o processo que culminou em seu afastamento.
Montando-se este quebra-cabeça constitucional, nota-se que a tese de "golpe", defendida com unhas e dentes pelos aliados da ex-presidente, é frágil e falaciosa - antes de mais nada, um golpe de estado se dá quando há uma ruptura com a legislação vigente em um país, sobrepondo-se a ela uma nova ordem. O que não foi o caso por aqui.
Se o impeachment - um processo previsto em lei e supervisionado pela mais alta instância da justiça (o STF) - se trata na verdade de um golpe de estado, então, vamos devolver a presidência a Fernando Collor e deixar que ele nos governe pelos próximos dois anos. O que acham?
Já que o que aconteceu com Dilma foi um "golpe", então o mesmo aconteceu com Collor em 1992 - logo, que se faça a justiça

A grande realidade é que as coisas aqui vão muito além de discussões políticas e de posições partidárias (se estes fatores forem levados em conta, este texto não acabaria mais). A grande realidade é que, em ambas as ocasiões, o povo brasileiro empregou mal o seu voto, e não escolheu bem seus representantes. E a consequência de tais escolhas equivocadas é clara: o país saiu perdendo, com crises econômicas, sociais e de credibilidade.
Democracia não se resume simplesmente ao voto - depois das eleições, o povo deve fiscalizar aqueles que elegeram, e pressioná-los a fazer um bom governo em benefício de todos (e não apenas para alguns).
Se não governarem de tal forma, é justo e necessário que o povo exija sua saída do poder - é aí que entra o mecanismo do impeachment (isso, claro, se o governante não resolver renunciar de livre e espontânea vontade).
A questão central aqui é: se após a redemocratização do país, em um intervalo de 24 anos (intervalo curto para qualquer democracia que se preze), tivemos que depor dois presidentes (ambos legitimamente eleitos pelo voto popular) por meio de processos de impeachment, isto é um sinal claro de que o povo brasileiro não está exercendo seu direito ao voto, conquistado a duras penas, da forma que deveria - isto é, com consciência, sabedoria e senso crítico.
Não é nada agradável ter que afastar um presidente da república porque ele fez o que não devia no exercício do poder. Não é um fato a ser comemorado, pelo contrário - é algo a se lamentar, pois é a prova cabal de que, uma vez mais, o povo não fez a escolha correta nas urnas. E isto trouxe consequências drásticas para o país (como a inflação alta, o desemprego a níveis alarmantes, a atividade econômica abaixo de zero, entre outras coisas).

O impeachment recente de Dilma Rousseff, da mesma forma que o impeachment de Collor em 1992, é algo que deve servir de lição para o povo brasileiro - e por que não dizer também, da nossa democracia.
Não se pode acreditar em tudo aquilo que os candidatos dizem no momento de suas campanhas - já foi provado que muitas dessas coisas foram fabricadas por marqueteiros contratados (pagos inclusive, com dinheiro de origem duvidosa), com o único intuito de angariar votos. Antes de dar o seu voto a alguém, é necessário que se conheça bem o seu candidato. Que se saiba o que ele tem feito ao longo de seus anos de vida pública em prol não apenas do país, como também de seu Estado, de sua cidade, de sua comunidade.
Política não é apenas seguir um partido ou uma ideologia (sendo que estes, muitas vezes, também se mostram equivocados): é botar a mão na massa em favor do povo.
E não é preciso ir muito longe para se refletir: logo menos, as eleições municipais estarão aí. É uma excelente oportunidade para o povo avaliar suas escolhas pensando no futuro de sua cidade.
Se o povo quiser que o país vá pra frente, e saia desse buraco no qual foi jogado pela irresponsabilidade de seus governantes mal escolhidos, deve prestar mais atenção na hora do voto. E escolher com mais critério. Para depois, não se arrepender - e não sermos obrigados a, novamente, presenciar um processo de impeachment no futuro.

"Fora, Temer"?! Esperem até 2018, amigos - que, aliás, também está logo ali.
E, chegando lá, antes de sair apertando aquele botãozinho verde escrito "confirma", lembrem-se da frase deste meme do He-Man compartilhado nas redes sociais:

(Imagem: Reprodução/Facebook)

Resumindo: acima de qualquer coisa, o povo deve votar com consciência. SEMPRE.
Senão, quem sai perdendo é o país.

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